EXCLUSIVO – O 29º Congresso Abramge, realizado na última quinta-feira (30), no Teatro Santander, em São Paulo, reuniu as principais vozes da saúde pública e privada do país e traçou um panorama do setor em um momento de transformação. Sob o tema “A Nova Ordem Mundial da Saúde”, o evento evidenciou que o futuro do sistema dependerá cada vez mais de dados e cooperação entre os setores público-privado e menos de normas isoladas. Ministros, reguladores e especialistas reforçaram a necessidade de responsabilidade compartilhada para garantir a sustentabilidade econômica das operadoras, a segurança jurídica das decisões e a eficiência do setor público.
A abertura do congresso ficou a cargo de Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge, que destacou a importância de um setor “com impacto social e equilíbrio financeiro”, reforçando o protagonismo das mulheres na saúde suplementar e o papel do beneficiário no centro das decisões.
O presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Wadih Damous, resumiu o novo norte da regulação como “sustentabilidade dupla” das operadoras e dos consumidores. Segundo ele, o equilíbrio será o eixo da agenda regulatória dentro de sua gestão, construída com diálogo entre operadoras, consumidores, prestadores e Judiciário. A ANS pretende transformar esse diálogo em política pública, reduzindo a judicialização por meio de regulação confiável, baseada em evidências técnicas e previsibilidade econômica. Damous afirmou que a confiança de agentes econômicos e da sociedade precisará ser conquistada na prática, o que exigirá da agência um novo modelo de comunicação, menos normativo e mais pedagógico.
A magistrada Daiane Nogueira de Lira, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revelou que mais de 800 mil processos relacionados à saúde tramitam hoje no Judiciário brasileiro. Segundo ela, decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) começam a estabilizar a curva de novos processos, como a validação de reajustes por idade e faixa etária quando fundamentados em critérios atuariais e regulatórios. “Não há segurança jurídica sem deferência aos órgãos técnicos”, resumiu o ministro Dias Toffoli durante sua fala, reforçando o papel das agências na governança do país.
O CNJ vem ampliando os Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NATJUS), que fornecem pareceres científicos sobre medicamentos, procedimentos e coberturas. Até 2025, os núcleos deverão atuar também na saúde suplementar, migrando decisões que antes dependiam de urgência e interpretação isolada para o campo da ciência clínica e análise de custo-efetividade.
SUS e setor privado em sinergia
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, destacou o potencial único do Brasil: ser simultaneamente a maior rede pública e um dos maiores mercados privados de saúde do mundo. Segundo ele, essa característica deve ser explorada em sinergia e não em antagonismo.
Um exemplo é o programa “Agora Tem Especialista”, que troca benefícios fiscais e créditos de dívidas públicas por cirurgias, exames e consultas realizadas por instituições privadas e filantrópicas para pacientes do SUS. Em São Paulo, a adesão da Hapvida e do hospital Santa Marcelina deve permitir mais de 900 cirurgias adicionais ainda em 2025.
Padilha também anunciou a expansão da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), que agora integra informações da saúde suplementar e a adoção do CPF como identificador único do paciente. A digitalização será sustentada por inteligência artificial em três frentes: prontuário eletrônico por voz, otimização de compras públicas e análise jurídica automatizada de pareceres. Um memorando com a organização Health AI, de Genebra, definirá padrões de governança e ética no uso de algoritmos, com foco em segurança e explicabilidade.
A convergência entre dados, privacidade e regulação desponta como desafio da próxima década. Se a integração da saúde suplementar à RNDS promete ganhos inéditos como interoperabilidade, redução de fraudes e acompanhamento do histórico clínico. Especialistas alertam que a ANS precisará definir parâmetros mínimos de explicabilidade, rastreabilidade e auditoria algorítmica, sob pena de repetir os problemas da judicialização.
Inteligência artificial, judicialização e governança baseada em evidências
Em uma das palestras mais esperadas do evento ex-ministro do STF Luís Roberto Barroso defendeu o “idealismo possível” e relembrou a “trilogia das reformas estruturantes” (trabalhista, previdenciária e tributária). Segundo ele, o Brasil deve escolher prioridades, como segurança pública, responsabilidade fiscal e integridade institucional. Barroso destacou que decisões devem ser baseadas em dados, não em paixões, colocando civilidade, integridade e idealismo no centro da política pública.
O congresso reforçou que a saúde brasileira será construída na interseção entre técnica, ética e gestão de evidências. Judicialização, inteligência artificial e integração público-privada surgem como pilares de um novo modelo com decisões jurídicas fundamentadas em ciência, algoritmos como ferramenta de produtividade e transparência e o setor privado atuando como coprodutor de políticas públicas.
Para um país com 220 milhões de beneficiários indiretos do SUS e 51 milhões de usuários de planos privados, essa convergência pode ser o antídoto contra o colapso do sistema, desde que pautada por evidência, eficiência e empatia.
O congresso também abordou dimensões humanas e econômicas da saúde. No painel “Saúde e Bem-Estar”, mediado pela atriz Flávia Alessandra, a ministra do STF Renata Gil e o ator Alvarone Costa discutiram autocuidado, equilíbrio emocional e a importância da cultura na promoção da saúde integral. Já o painel “Economia real, cidadania digital e negócios sustentáveis”, com o economista João Pedro Afonso e o ex-ministro Sérgio Real, analisou o impacto da tecnologia e da transição verde nos modelos de negócio. O ministro da Fazenda Fernando Haddad destacou a estabilidade fiscal como pré-condição para investimentos privados em saúde.
Encerrando a programação, a filósofa Sônia Bedi, moderando a participação gravada do historiador Yuval Noah Harari, ressaltou o papel da inteligência artificial e das redes de informação na formação de uma nova economia global guiada por dados, ética e propósito. O evento terminou com coquetel, celebrando a reinvenção da saúde brasileira por meio de tecnologia, evidência e humanidade.
Nicholas Godoy, de São Paulo.
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