EXCLUSIVO – No próximo final de semana, o autódromo de Interlagos volta a ser o centro do mundo. O Grande Prêmio de São Paulo, uma das etapas do calendário da Fórmula 1, reúne tecnologia, velocidade e precisão em um espetáculo que movimenta bilhões de dólares e milhões de apaixonados. Mas existe uma engrenagem indispensável que garante que tudo isso aconteça sem contratempos.
Antes mesmo de os motores roncarem, uma complexa rede de apólices já está em ação, protegendo carros, peças, equipamentos, contêineres, boxes e até estruturas temporárias erguidas dentro do autódromo. São contratos de altíssimo valor que cruzam fronteiras junto com as equipes, cobrindo desde o transporte internacional até possíveis danos em paddocks e áreas técnicas.
“Cada parafuso da Fórmula 1 carrega um valor e um risco. E todo esse risco é meticulosamente calculado”, explica Frederico Almeida, sócio da BMEX Consultoria, advogado e professor da Escola de Negócios e Seguros (ENS). Ele lembra que o sistema de seguros da categoria é um dos mais sofisticados do planeta, misturando engenharia, logística e finanças com a mesma precisão que um pit stop de 2 segundos.
Por trás do glamour, há uma gestão de risco tão rigorosa quanto o regulamento técnico da FIA. A Fórmula 1 não é apenas o ápice da velocidade é também um exemplo vivo de como o seguro, quase invisível, se torna um motor silencioso da continuidade e da performance.
Segundo ele, as equipes de Fórmula 1 operam com um tipo específico de cobertura, conhecido como motorsport insurance, um pacote de apólices desenhado sob medida para o esporte a motor. “Esses contratos cobrem os carros fora da pista, além das estruturas de apoio e equipamentos de box. Mas, curiosamente, durante a corrida o cenário muda: o risco é ‘autoassumido’ pelas equipes”, diz.
Em outras palavras, se um piloto bate, o prejuízo não vai para a seguradora. “É custo do jogo. As coberturas se aplicam principalmente ao transporte, armazenamento e bens fora da pista”, detalha o especialista.
A logística mais complexa do mundo
A Fórmula 1 é se trata de um espetáculo esportivo com uma operação logística global. Em poucas semanas, toneladas de equipamentos atravessam continentes em aviões, navios e caminhões, sincronizados com calendários e fusos horários distintos. “Essa operação exige seguros de transporte internacionais com cobertura ampla, geralmente no formato all risks, que cobre praticamente tudo o que não está expressamente excluído”, afirma Almeida.
A exigência faz sentido pois quando se trata de qualquer atraso ou dano, o prejuízo pode comprometer a etapa inteira de um Grande Prêmio. As cargas viajam em módulos lacrados e rastreados, muitas vezes com temperatura controlada e protocolos de segurança comparáveis aos de remessas diplomáticas. “Dependendo do contrato, a responsabilidade pode ser da equipe ou do operador logístico”, acrescenta.
Durante os treinos e corridas, o cenário muda radicalmente. Não há seguradora que banque o risco de um carro em competição. “É uma área onde o risco é considerado inerente à atividade. As equipes criam reservas internas para absorver danos e prejuízos”, explica.
Alguns componentes danificados podem até ser reaproveitados, mas o custo de um seguro para cobrir o carro durante a corrida seria tão alto que não faz sentido financeiro. “Quando existe é algo muito pontual. Por isso, os times preferem gerir o risco internamente”, comenta.
As perdas ligadas à performance, por exemplo um carro que perde rendimento e compromete contratos de patrocínio, são tratadas por meio de cláusulas contratuais e não por apólices tradicionais.
Mesmo que o carro não seja segurado durante a corrida, o entorno do evento é fortemente protegido. O público, jornalistas, fornecedores, estruturas de paddock e áreas de montagem contam com coberturas milionárias. “São apólices de responsabilidade civil exigidas pelos organizadores e federações. Se algo acontecer, o impacto financeiro não recai diretamente sobre a equipe ou sobre o evento”, destaca o advogado.
Na pista, a responsabilidade segue as regras da FIA e os contratos esportivos. Mas fora dela, o seguro é parte do regulamento informal que garante a segurança e a continuidade da competição.
Quando se transporta um motor de Fórmula 1, o risco é altíssimo e o seguro precisa acompanhar essa realidade. “Há apólices específicas para roubo, sabotagem, incêndio e perda em trânsito”, explica Almeida.
Esses contratos são minuciosamente avaliados por seguradoras especializadas, como AXA XL, Miller Insurance, Kingfisher e Ryan Motorsport, que analisam rotas, frequência, valor e condições de cada embarque. “É um trabalho de engenharia de risco quase artesanal”, descreve o especialista.
Nada é deixado ao acaso. As apólices incluem inspeções, rastreamento, franquias altas e muitas vezes o processo de subscrição envolve simulações detalhadas de cenários de perda.
A melhor forma de entender o seguro na Fórmula 1 é imaginar um mosaico. “Cada etapa, peça, pessoa e quilômetro têm uma apólice diferente”, compara Almeida.
As equipes não compram “um seguro”, mas uma arquitetura de coberturas que muda conforme o calendário. Algumas funcionam o ano inteiro, outras só durante a temporada enquanto outras apenas durante o transporte entre países.
Esse modelo de gestão de risco, que integra engenharia, finanças e estratégia é um exemplo de como o seguro pode ser usado de forma proativa, não apenas como obrigação, mas como ferramenta de planejamento e continuidade de negócios.
Em caso de sinistro seja uma peça danificada no transporte ou uma estrutura comprometida na montagem, tudo segue um protocolo preciso. “Os valores são pré-fixados e o pagamento depende de avaliação técnica. Não existe improviso”, diz Almeida. Essa estrutura garante que a operação não pare. Assim como um sistema de pit stop ajusta milimetricamente cada segundo, o seguro da Fórmula 1 ajusta milimetricamente cada risco.
A Fórmula 1 é o exemplo mais sofisticado de um princípio universal dentro do esporte em que o seguro é o motor invisível que permite que tudo aconteça. “Nada anda, nada voa e nada corre sem que alguém tenha mapeado o risco, precificado a exposição e colocado uma proteção financeira por trás”, resume.
No fim das contas, a Fórmula 1 mostra que o seguro, longe de ser um custo, é uma das engrenagens que permitem a inovação e o espetáculo. E talvez seja exatamente isso o que o mercado corporativo tem a aprender com os bastidores de Interlagos: gestão de risco é performance.
Nicholas Godoy, de São Paulo
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