EXCLUSIVO– A Superintendência de Seguros Privados (Susep) deu o passo mais aguardado pelo mercado desde a sanção da Lei nº 15.040/2024, conhecida como Lei do Contrato de Seguro. Publicada em 4 de novembro, a minuta de resolução que regulamenta os contratos de seguros de danos foi colocada em Consulta Pública até 25 de novembro e deve se tornar a base para um novo marco regulatório.

Com 119 artigos e um anexo, o texto consolida dispositivos sobre estruturação, comercialização e operação dos seguros de danos, abarcando inclusive grandes riscos e cooperativas de seguros. A proposta substitui normas dispersas e impõe um padrão unificado de transparência contratual, clareza de linguagem e responsabilidade das seguradoras sobre as cláusulas de seus produtos.

Segundo a Susep, o objetivo é harmonizar a nova legislação com o ambiente operacional das companhias, garantindo segurança jurídica e previsibilidade. Porém na visão de especialistas do mercado, o texto também marca uma mudança de postura regulatória, mais interventiva do que se esperava após anos de flexibilização.

Para Bárbara Bassani, sócia responsável pela área de Seguros e Resseguros do TozziniFreire Advogados, “embora o prazo de vigência da Lei esteja próximo, a publicação da consulta dá um certo conforto ao mercado, que aguardava essa regulamentação desde o início do ano. O desafio agora é entender como aplicar a lei a contratos em vigor, renovações e sinistros ocorridos na transição”, afirma.

A advogada lembra que o princípio da irretroatividade das leis deve prevalecer, ou seja, a nova lei só se aplica a contratos celebrados após sua entrada em vigor. “Mas há dispositivos de natureza processual ou que não envolvem direito adquirido, que terão aplicação imediata. A dificuldade está em identificar artigo por artigo, o que retroage e o que não retroage. Questões como prescrição e prazos judiciais, por exemplo, devem gerar debates intensos”, completa.

Entre os pontos centrais da minuta está a exigência de que todas as condições gerais, especiais e particulares dos seguros de danos sejam registradas eletronicamente na Susep antes da comercialização e que eventuais alterações legais ou regulatórias sejam incorporadas pelos produtos em vigor.

Além disso, o texto reforça que as condições contratuais devem ser disponibilizadas previamente ao segurado, de forma física ou digital. Caso contrário, prevalecerá a versão mais favorável ao consumidor entre aquelas registradas pela seguradora. Cláusulas que limitem direitos ou imponham obrigações adicionais precisarão estar em destaque e redigidas em linguagem clara, sob pena de nulidade.

Na prática, isso exige uma revisão completa dos modelos de contrato, prospectos e comunicações com o cliente. “Para os seguros massificados, o Código de Defesa do Consumidor já previa essa transparência. A grande mudança está nos seguros de grandes riscos, que passam a seguir regras similares, mesmo sem relação de consumo”, avalia Bárbara.

Ela ressalta que a Susep ainda não definiu o que será considerado “grande risco”, conceito que deve vir em norma complementar. “Embora a minuta não mencione produtos padronizados, ela impõe diretrizes que todos os planos deverão seguir, inclusive grandes riscos, o que representa uma mudança sensível para esse segmento”, completa.

Corretores e responsabilidades ampliadas

Outro ponto de destaque é a definição do corretor como terceiro interveniente, ao lado de representantes e prepostos das seguradoras. A minuta prevê que o corretor pode representar o proponente na formação do contrato, mas também assume corresponsabilidade sobre as informações prestadas. “A norma deixa claro que dados fornecidos por terceiros, como corretores que passam a integrar o contrato de seguro. Isso eleva o grau de responsabilidade desses profissionais na comercialização e oferta de produtos”, explica.

Para o mercado de intermediação, isso significa uma revisão na forma de coleta de informações e de comunicação com segurados, especialmente em seguros empresariais e produtos sob medida.

O texto proposto pela Susep concede 180 dias para adaptação dos produtos já registrados, sob pena de cancelamento. Mas, na avaliação de Bárbara Bassani, o prazo gera dúvidas. “Na prática, os seguros celebrados a partir da vigência da Lei já devem obedecer ao novo regime jurídico. Se o produto atual contém cláusulas incompatíveis, ele precisa ser ajustado imediatamente. A norma não pode criar um período de transição que o legislador não previu”, argumenta.

Ela pondera que o prazo seria razoável se a resolução tivesse sido publicada no início de 2025, dando tempo para ajustes graduais. “Agora, as seguradoras terão de adaptar seus produtos à Lei em dezembro e, depois, novamente à minuta, quando ela entrar em vigor. Isso implica custos e desafios operacionais adicionais”, destaca.

Intervenção regulatória e nova fase da Susep

Apesar de a minuta consolidar regras e revogar circulares antigas como as de nº 621/2021, 639/2021 e 642/2021, o texto também traz níveis inéditos de detalhamento. Um exemplo é o artigo que estabelece elementos mínimos no relatório de regulação de sinistros, incluindo cronologia completa, cálculos, justificativas e documentos comprobatórios.

Para a advogada, esse grau de prescrição indica um movimento de reintervenção regulatória. “Não é uma norma voltada à simplificação ou à liberdade contratual. Consolida o arcabouço de seguros de danos, mas amplia a ingerência da Susep sobre aspectos que antes ficavam sob autonomia das seguradoras”, avalia.

Na prática, o órgão poderá fiscalizar e punir falhas na elaboração de relatórios de sinistro, algo que até então não ocorria. “Estamos passando de uma fase de mais liberdade para uma de maior intervenção. Espero que seja transitória, porque a norma não precisaria ser mais engessada do que a própria Lei”, conclui.

Nicholas Godoy, de São Paulo.

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